terça-feira, 11 de outubro de 2011

Wall Street e “Eu tenho um sonho”

O capitalismo está em debate, ampliado desde 17 de setembro de 2011, marco inicial da série de protestos “Ocupe Wall Street”, em Nova York, Estados Unidos.  O movimento, na opinião do editor da revista “Política Externa”, Carlos Eduardo Lins da Silva, está crescendo, mas ainda precisa dizer melhor a que veio. “Em 17 de setembro de 2011, teve início em Nova York a série de protestos sob o título de “Ocupe Wall Street”, com participação majoritária de jovens brancos de classe média, que foram ignorados pela mídia até o fim de semana retrasado, quando a prisão de 700 pessoas que ocupavam a ponte do Brooklyn os colocou na pauta da imprensa nacional e mundial”, escreve Lins da Silva, em artigo na Folha de S. Paulo (dia 10).
Para ele, nada impede que “Ocupe Wall Street” se transforme em um fenômeno maior e mais relevante do que a Marcha de 1963 (em Washington, com 200 mil pessoas) que ajudou a cimentar a aprovação da Lei dos Direitos Civis e deixou à humanidade uma das suas mais importantes peças de oratória, o “Eu Tenho um Sonho”, de Martin Luther King Jr. “Mas, embora a comparação seja complicada por todos os motivos, ela possibilita pensar sobre algumas hipóteses que tentam se afirmar como verdades, como a de que tecnologias de comunicação e redes sociais são quem garante o êxito de movimentos sociais, como os da Primavera Árabe ou dos indignados na Espanha. Não. Os meios de comunicação, como seu nome indica, são apenas meios. Por mais que possam facilitar a organização de manifestações, não determinam sucesso ou fracasso”.
Em outro trecho do texto, Lins da Silva lembra que diversos outros fatores são mais relevantes, entre eles especialmente a “justeza” da causa defendida, a qualidade dos líderes e inspiradores, o sentido de urgência das reivindicações.
UMA PEÇA EM TRÊS ATOS
Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman escreveu no The New York Timesque existe algo acontecendo aqui. “Não está exatamente claro o que é, mas nós podemos estar, finalmente, presenciando a ascensão de um movimento popular que, ao contrário do Tea Party, está furioso com as pessoas certas”.
“Quando os protestos do movimento “Occupy Wall Street” tiveram início semanas atrás, a maioria das organizações de mídia ridicularizou o fato, isto quando se dignaram sequer a mencioná-lo. Por exemplo, nove dias após o início dos protestos, a National Public Radio não havia feito cobertura nenhuma deles”.
No artigo, Krugman – reproduzido no UOL (Universo On-Line, dia 8, com o título “Movimento “Occupy Wall Street” enfrenta os malfeitores da economia americana”), o economista se pergunta: O que nós poderíamos dizer sobre esses protestos?
“Primeiro, o mais importante: a visão dos manifestantes de que Wall Street é uma força destrutiva, tanto sob o aspecto econômico quanto político, está totalmente correta”.
Outro trecho: “Um cinismo cansativo e a crença em que a justiça jamais será feita tomaram conta de grande parte do nosso debate político – e, sim, eu próprio em determinados momentos sucumbi. Durante esse processo, tem sido fácil esquecer o quão ultrajante é de fato a história dos nossos infortúnios econômicos”.
“Portanto, para quem esqueceu, isso foi uma peça em três atos. No primeiro ato, os banqueiros se aproveitaram da desregulação para agirem a bel prazer (e embolsarem quantias monstruosas), inflacionando bolhas enormes por meio de empréstimos irresponsáveis. No segundo ato, as bolhas estouraram – mas os banqueiros foram resgatados pelos contribuintes, com uma quantidade surpreendentemente pequena de exigências, ainda que os trabalhadores comuns continuassem a sofrer as consequências dos pecados dos banqueiros. E, no terceiro ato, os banqueiros demonstraram a sua gratidão voltando-se contra as pessoas que os salvaram, ao apoiar – e disponibilizar a riqueza que eles ainda possuíam graças aos pacotes de socorro – políticos que prometeram manter os impostos em níveis baixos e desmantelar as regulações modestas que foram implementadas após a crise”.
Paul Krugman conclui que, se os protestos obrigarem alguns políticos a fazer aquilo que eles deveriam estar fazendo há muito tempo, o “Occupy Wall Street” terá sido um enorme sucesso.
PARA PENSAR
Dia 5, manifestação reuniu 20 mil trabalhadores e estudantes, escreve no dia seguinte o Correio do Brasil, citando como fonte Esquerda.net e o próprio Krugman, para quem “Ocupar Wall Street” pode ser o início de alguma coisa ao mesmo tempo grande e boa”. “Este é o tipo de movimento necessário à América de hoje”, diz o sindicalista Mike Hellstrom.
A colunista de O Globo, Míriam Leitão, sintetiza dia 6 que, “com uma crise que se desdobra em ondas de aflições desde 2008, já é hora de as autoridades pensarem no fim do capitalismo como o conhecemos”.
Valor Econômico (dia 11) reporta que o “Ocupe Wall Street” parece ser um contraponto à esquerda ao reacionarismo do Tea Party e protesta contra a forma generosa com que os bancos foram tratados, após terem produzido a maior hecatombe econômica em quase um século.
No rastro de “Ocupe Wall Street”, está nascendo “Ocupe Washington (“Occupy DC”)”, tema de entrevista feita por Luciana Coelho, na Folha de S. Paulo (dia 11).
Para um dos organizadores, o vendedor Anthony Allen, 38, ‘queremos mostrar que somos sérios’ e “o que vale é debater”. “Os temas comuns são emprego, fim das guerras, financiamento político, vai saber mais o que. Ambiente. Você vai ouvir entre cinco e dez temas recorrentes. A questão não são os problemas, mas como se chega às soluções”.
Neste cenário, escritor amigo deste blog destaca que movimentos assim dependem de lideranças fortes, que não se mostram por enquanto nos Estados Unidos de, rememoro, Martin Luther King e “Eu tenho um sonho”, citados por Lins da Silva, lá no início deste texto.
A FOME QUE ESCANDALIZA
Dia 10, em meio das turbulências na economia internacional, o Correio Braziliense faz manchete oportuna, “A fome que escandaliza o mundo”, seguida do título “Vergonha mundial”, na página interna.
Thais de Luna reporta que o relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) sobre insegurança alimentar no mundo é alarmante. “Uma em cada sete pessoas em todo o planeta passa fome — e cerca de 6 milhões de pessoas morrem por ano sem ter o que comer. O estudo revela que essa duríssima realidade está presente com maior intensidade nos países menos desenvolvidos, principalmente os localizados na África Subsaariana e no sul da Ásia. E são exatamente essas nações, como Etiópia, Somália, Afeganistão e Uganda, as mais afetadas pelas crises econômicas e de alimentos ocorridas a partir de 2006, de acordo com o relatório. (…) O Brasil foi um dos poucos países onde a segurança alimentar continuou a melhorar, passando praticamente incólume pela turbulência recente. Segundo o texto, o sucesso se deve às políticas públicas bem-sucedidas”.
TEXTO EDITADO ORIGINALMENTE EM


José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.

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