O
dicionário explica que chuá significa enchente. O noticiário político
brasileiro, constantemente às voltas de denúncias de corrupção, vive há semanas
de uma cachoeira, uma enchente delas. As comportas da represa foram abertas com
os “malfeitos” do ex-senador do DEM Demóstenes Torres, de Goiás, o “posudo” da
honestidade, e seu relacionamento com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos
Cachoeira, bicheiro e empresário, a quem Torres prestava serviços. Depois, caiu
na água também a poderosa Delta Construções. (Contado a cada dia, a dimensão do
escândalo vai se diluindo – por isso, escrevo um texto longo.)
A
Folha de S. Paulo (dia 18 de abril) escreve que escutas telefônicas feitas pela
PF nos últimos três anos mostram que Cachoeira tinha influência nos governos de
pelo menos três Estados e relações com políticos de seis partidos, do PT ao
PSDB.
“Líderes
governistas e da oposição apresentaram ontem no Congresso o pedido de criação
da CPI do caso Cachoeira, abortando movimento iniciado dias antes para atrasar
as investigações. O objetivo da CPI será investigar os negócios do empresário
Carlos Cachoeira e suas relações com políticos e outros empresários. Cachoeira
é acusado de explorar jogos ilegais e foi preso pela Polícia Federal em
fevereiro”.
O
jornal reporta que a presidente Dilma Rousseff está preocupada com os riscos
que as investigações do caso Cachoeira criam para a imagem do governo e dos
partidos que a apoiam no Congresso, mas muitos petistas querem usar a CPI para
atingir a oposição.
“DOA
A QUEM DOER”
Ao
mesmo tempo, na coluna Painel da mesma edição, a jornalista Vera Magalhães
publica que o ex-presidente Lula recebeu no Hospital Sírio Libanês vários
parlamentares para discutir a CPI do Cachoeira. Separadamente, despachou com o
líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o antecessor Cândido
Vaccarezza (PT-SP) e os senadores Gim Argello (PTB-DF) e Renan Calheiros
(PMDB-AL).
“A
despeito dos receios da presidente Dilma Rousseff, Lula disse que a CPI tem de
ser feita "doa a quem doer". Atribuiu a Carlinhos Cachoeira um
"esquema" para destruir o seu governo, desde o caso Waldomiro Diniz,
em 2004, passando pela denúncia de propina nos Correios -que resultou no
mensalão-, um ano depois”.
O
senador Demóstenes Torres, que se apresentou durante anos como o paladino da
moralidade e dos bons costumes, é o centro do noticiário, que já lança muita
sujeira no ventilador.
Segundo a Folha, negociou
verba para beneficiar empreiteira do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). “De acordo com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, há
evidências de que Demóstenes atuava como "sócio oculto" da Delta,
empresa que, desde 2007, é a que mais recebe recursos do governo federal,
principalmente por obras do PAC”.
“LAVAGEM
DE DINHEIRO”
A
Delta, mostra o jornal O Estado de S. Paulo (dia 18), é suspeita de montar rede
de lavagem de dinheiro. “Foco das investigações da futura CPI do Cachoeira,
prestes a ser instalada no Congresso, a Delta Construções é suspeita de ter
montado uma rede de laranjas para lavar dinheiro numa triangulação com outra
construtora, a Alberto e Pantoja Construções e Transporte Ltda., informa a
repórter Alana Rizzo. Destino de R$ 26,2 milhões da Delta, a Alberto e Pantoja
fez uma série de pagamentos a uma rede de pessoas com vínculos com a
empreiteira sediada no Rio que, agora, negam que tenham recebido as quantias”.
O
Estadão também conta que o PMDB quer controlar CPI para coagir PT. “O PMDB quer
ser tutor da CPI do Cachoeira e assim negociar com o Planalto os rumos da
investigação sobre as ligações políticas do contraventor Carlinhos Cachoeira. A
ideia é mostrar que a CPI é uma “invenção do PT" e, uma vez instalada,
respingará no governo de Dilma Rousseff por culpa do seu próprio partido”.
Mas
no governo, segundo a Folha, a ordem é blindar tudo que possa arranhar a imagem
do Planalto na CPI. Integrantes do governo trabalham para indicar parlamentares
afinados com o governo para a comissão. “O pedido para que a CPI seja instalada
foi apoiado por 340 deputados e 67 senadores. Depois que todas as assinaturas
do pedido forem conferidas, o documento será lido em sessão do Congresso. A
comissão só poderá ser instalada depois que os partidos indicarem seus
integrantes. O ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e o senador Renan
Calheiros (PMDB-AL), investigados pelo Congresso no passado, deverão fazer
parte da CPI”.
“A
oposição deseja que o foco principal das investigações seja a construtora
Delta, que cresceu nos últimos anos com contratos no setor público e recebeu R$
3,6 bilhões do governo federal desde 2003” . (...) "Isso não pode terminar em
pizza", afirmou o líder do DEM, deputado ACM Neto (BA).
Luiz
Holanda, professor de Ética Geral e Profissional e de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador-UCSAL, no artigo “O
mensalão desce a cachoeira”, recorda, por exemplo, que durante as investigações ficou provado que os
parlamentares que compunham a “base aliada” recebiam, mensalmente, recursos do
PT para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo.
“Em
agosto de 2007, o STF iniciou o julgamento dos quarenta nomes (na época)
denunciados pela Procuradoria Geral da República. Como a mais alta corte do
país recebeu quase todas as denúncias contra cada um dos acusados, estes
passaram a ser réus no processo criminal”.
“A
TIA DO PAC”
Colunista
de O Globo e da Folha de S. Paulo, Elio Gaspari escreve dia 18 o artigo “O medo
da CPI da 'tia do PAC'”, afirmando que se Dilma Rousseff é a 'mãe do PAC', a
empreiteira Delta, com R$ 3,6 bilhões de encomendas, é sua tia. Transcrevo
quatro parágrafos.
1-Materializou-se
um pesadelo do comissariado petista. Foi ao ar o grampo em que o empresário
Fernando Cavendish, dono da empreiteira, Delta diz que "se eu botar 30
milhões [de reais] na mão de um político, eu sou convidado para coisa para
c..... Pode ter certeza disso, te garanto".
2-A
versão impressa dessa conversa surgiu em maio passado, numa reportagem da
revista "Veja". Ela descrevia uma briga de empresários, na qual dois
deles, sócios da Sygma Engenharia, desentenderam-se com Cavendish e acusavam-no
de ter contratado os serviços da JD Consultoria, do ex-ministro José Dirceu,
para aproximar-se do poder petista. A conta foi de R$ 20 mil.
3-À
época, o senador Demóstenes Torres, hoje documentadamente vinculado a Carlinhos
Cachoeira, informou que proporia uma ação conjunta da oposição para ouvir os
três empreiteiros. Deu em nada, como em nada deram inúmeras iniciativas
semelhantes. Se houve o dedo de Cachoeira na denúncia dos empresários, não se
sabe.
4-Diante
do áudio, a Delta diz que tudo não passou de uma "bravata" de
Cavendish. O doutor, contudo, mostrou que sabe se relacionar com o poder. Tem
22 mil funcionários e negócios com obras e serviços públicos em 23 Estados e na
capital.
Dono
da Delta, o empresário Fernando Cavendish diz a Mônica Bergamo, da Folha (dia
19), que o escândalo Cachoeira pode levar seu negócio à falência. Afirma que o
ex-diretor da empresa, Cláudio Abreu, nunca informou que dava dinheiro para o
esquema do contraventor. Foram R$ 39 milhões. Não deu para perceber?, pergunta
a jornalista. “A empresa rodou, nesses
dois anos, 2010 e 2011, R$ 5 bilhões. Tem 46 mil fornecedores. Esse dinheiro,
nesse universo, é imperceptível”, responde Cavendish. Segundo ele, ninguém é sócio da Delta. "Já inventaram dezenas de sócios para a Delta".
NO
QUE VAI DAR?
O
resultado de todo som que evapora com a queda da cachoeira pode estar numa
informação encontrada no artigo de Holanda, publicado na Tribuna da Bahia (dia
17). “A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) divulgou o resultado de uma
pesquisa destacando que entre 1988
a 2007, ou seja, num período de dezoito anos, nenhum
agente político foi condenado por aquela corte por corrupção. Durante esse
tempo, o Superior Tribunal Justiça (STJ) - que acaba de liberar o estupro-,
condenou apenas cinco autoridades. Desde então, dos 130 processos distribuídos
no Supremo apenas seis foram julgados, com a absolvição de todos os envolvidos.
Quanto aos demais, 13 prescreveram; o resto continua tramitando na corte, sem
nenhum resultado”.
O
Globo (18) noticia que réu no caso do mensalão, deputado se reúne com ministro
do Supremo. “O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) bateu pessoalmente à porta do
STF. Pediu audiência a cinco ministros. Por enquanto, foi recebido por Dias
Toffoli em seu gabinete na semana passada. O ministro confirmou o encontro, mas
alegou que o parlamentar o procurou na condição de integrante da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Teria ido apenas para
entregar o relatório final da comissão de juristas que estuda mudanças no
Código Penal. Porém, João Paulo não relata a comissão, nem recebeu missão para
representá-la no STF. Perguntado se trataram do mensalão, Toffoli garantiu que
não. Disse que o interlocutor sequer puxou o assunto. Questionado sobre o motivo
do encontro, João Paulo reagiu como se o conteúdo da conversa não devesse ser
divulgado”.
“PADRÃO
GLOBAL”
Registro, para
terminar, que a Folha (dia 18) tem a seguinte chamada de capa: “Dilma criou
“padrão global” anticorrupção, diz Hillary”. Texto resumido: “A atuação da presidente Dilma Rousseff no combate à
corrupção foi elogiada pela secretária de Estado norte-americana, Hillary
Clinton. Ao encerrar sua visita de dois dias ao Brasil, Hillary fez um afago na
presidente e afirmou que ela está "estabelecendo um padrão mundial".
"O compromisso
dela [Dilma] com a abertura e com a transparência e a luta dela contra
corrupção estão estabelecendo um padrão global", afirmou a secretária. A
americana esteve em Brasília para lançar um protocolo de intenções em defesa de
maior transparência de agentes públicos -55 países já aderiram ao compromisso.
Brasil e Estados Unidos são copresidentes da iniciativa."Não há melhor
parceiro para começar esse esforço e liderar [essa iniciativa] do que o Brasil,
e em particular a presidente Rousseff", disse ela”.
O
OBSERVADOR
Gosto
de colunas de leitores – revelam muitas opiniões interessantes. Na Folha (18),
Guilherme Accioly Domingues (São Paulo, SP) ironiza que é engraçado ver que o
norueguês que promoveu um terrível massacre é denominado pela imprensa como
"atirador". Fosse ele de outra nacionalidade, seria tido como
"terrorista".
José
Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é
jornalista, editor e consultor em comunicação.
E-mail: joseaparecidomiguel@gmail.com
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