quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Analfabetismo e homens de bem

Na contramão da propaganda política, é possível perceber que o Brasil constrói  um difícil futuro para as próximas gerações, embora tenha registrado, nos anos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, significativos avanços em todas as áreas.

Estado de S. Paulo (28/9/2013) escreve que o analfabetismo para de cair pela 1ª vez desde 2004. O assunto saiu em jornais no sábado, dia da semana que, em geral, as pessoas estão mais desatentas ao noticiário – não à toa, empresas costumam anunciar demissões ao final da sexta-feira. “A taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais, porém, parou de cair e teve leve alta. Em 2011, ela era de 8,6%. Em 2012, chegou a 8,7% (mais de 13 milhões, calcula-se). Com isso, o País fica mais longe de cumprir a meta firmada na ONU de reduzir a proporção de analfabetos para 6,7% até 2015”, segundo dados do governo na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012, que ouviu 362,4 mil pessoas em 147,2 mil domicílios de todos os Estados.
Destaques do estudo oficial preocupam:
Saneamento básico
42,9% dos lares brasileiros não têm coleta de esgoto.
Trabalho infantil
3,5 milhões de jovens de 5 a 17 anos trabalham no País, 4,2% menos que em 2011.
CONECTADO E ATRASADO
No mesmo sábado, o jornal Estado de Minas mostra, segundo o Pnad, “um país conectado, mas ainda atrasado”. Assim, entre os mineiros, o quadro é este:
“O percentual de adolescentes entre 15 e 17 anos na escola em Minas em 2012 era de 85,8%, superior à média nacional (84,2%). Na faixa etária de 18 a 24 anos, porém, só 27,6% dos mineiros estavam nas salas de aula, taxa pior que a brasileira, de 29,4%”.
Outros números:
Coleta de lixo
11% é o percentual da população mineira sem acesso. A taxa se assemelha à do Brasil: 11,2%.
Gravidez
10,3% é o índice entre mineiras de 15 a 19 anos. No Brasil aumenta para 14,4%.
Internet
Ah! O total de residências brasileiras ligadas à internet chegou a 40,3%. Não se revela o que fazem na rede – a maioria, talvez, trocando mensagens sobre celebridades e futilidades no Facebook, no Twitter, etc., ou falando sobre nada no celular (51,4% das residências do País têm somente celular), sem contar as novelas da televisão (97,2% dos lares do País possuem ao menos um aparelho de televisão).
(Sei, distração e entretenimento também são precisos…)
Ensino Fundamental
Porém, faz poucos meses, O Globo reportou que, entre maiores de 15 anos, só 55% dos brasileiros concluíram o fundamental. Eram 60% em 2000. Tem mais e todos sabemos: “a infraestrutura é outro problema que o país não conseguiu resolver: um em cada dez brasileiros gasta pelo menos uma hora no trajeto de casa até o trabalho”.
No mesmo jornal (11/8/2013), noticia-se: “Baixa qualificação: Juventude desperdiçada”. “Estudo do IBGE mostra que o desemprego em geral caiu 53,8% entre 2003 e 2013 nas seis maiores regiões metropolitanas; entre os jovens, a queda foi de 41,6%, informa Clarice Spitz. A qualificação ruim, alertam analistas, explica essa performance”.
Na economia, outras revelações do nosso atraso. “Quase 53 milhões de brasileiros não têm conta bancária, cartões ou poupança. Dá para confiar no cofrinho?”, escreve o Correio Braziliense (30/9/2013).
(Pré-sal, pré-sal…, fico a pensar.)
O Globo (29/9/2013) publica que a autossuficiência no refino da Petrobras, que faz 60 anos dia 3 de outubro, virá só em 2020.
ABAIXO A MERITOCRACIA?
Enquanto o percentual de adolescentes entre 15 e 17 anos na escola chega a 84,2%, na média nacional, e 29,4% na faixa etária de 18 a 24 anos, o Brasil vai se “perdendo no mérito”, na opinião de Gustavo H. B. Franco, escrita em O Estado de S. Paulo (29/9/2013).
“Parece haver algo de muito suspeito no reino das políticas públicas quando o talento, o das empresas e também o das pessoas, deixa de ser reconhecido e recompensado. A mensagem típica nas medalhas concedidas a estudantes e esportistas, “honra ao mérito”, vem caindo em desuso com enorme velocidade, e dando lugar a uma nova cultura que canhestramente utiliza os dogmas da inclusão e da igualdade em detrimento de qualquer distinção pelo mérito; premiações e bonificações têm sido crescentemente tratadas como formas neoliberais de discriminação”.
Franco explica que o princípio será útil para os que precisarem explicar a seu filho adolescente que ele não vai entrar na universidade pública a despeito de uma boa nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), pois a regra das quotas é tal que seu lugar será de alguém com o desempenho escolar muito pior. (…)  “No caminho de nossa maior prioridade, o crescimento, há uma pedra, a produtividade, que permanece estagnada e nossos sindicatos não permitem que seus acordos coletivos incluam cláusulas prevendo remuneração proporcional ao desempenho. De onde pode vir o incentivo a fazer mais e melhor? As bonificações têm sido um tema muito contencioso, por exemplo, nas negociações com sindicatos de professores, que resistem a esquemas remuneratórios que utilizem metas e avaliações. O noticiário sobre a greve dos professores do município do Rio de Janeiro registrou diversas faixas com dizeres como “abaixo a meritocracia”. A que ponto chegamos”.
Acrescento mais um trecho do artigo: “No terreno das empresas, a ideia de meritocracia vai pior ainda. O Brasil ocupa a posição 130 de 185 países em termos de “ambiente de negócios”, segundo o Banco Mundial, e a posição 100 em 177 países em “liberdade econômica” segundo o Wall Street Journal. E tem estado assim nos últimos 5 ou 10 anos sem nenhuma indicação de mudança”.
Gustavo Franco conclui que se o mérito não readquirir precedência, para pessoas e empresas, não vamos a lugar algum.
O cenário e a expectativa de futuro melhor são preocupantes. Como li recentemente, talvez o irlandês Edmund Burke tivesse razão quando afirmava que “o mal só triunfa quando os homens de bem nada fazem”.
José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.
E-mail: joseaparecidomiguel@gmail.com
TEXTO DIVULGADO ORIGINALMENTE EM