quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ONGs do bem, renda, desigualdade

O bom senso pede que a pessoa se contenha quando generaliza opiniões sobre um fato. Tal premissa vale, na política, para as ONGs (Organizações Não-Governamentais) e, na economia, quando se difunde, sem maiores cuidados, que a distribuição de renda, desde 1995, vem melhorando no país, ano após ano, em particular de 2005 para cá, como escreve, o economista Paulo Passarinho, no Correio da Cidadania (dia 3 de novembro), que apresenta o programa Faixa Livre pela Rádio Bandeirantes AM do Rio de Janeiro.
Como escreveu O Globo, em manchete recente,  fraude em convênios com ONGs se repete no Ministério do Trabalho e coloca na alça de mira Carlos Lupi (PDT-RJ). Em Sergipe, a Polícia Federal abriu 20 inquéritos para apurar desvios protagonizados por ONGs que receberam 11,2 milhões em convênios. Lupi, dia 9, disse:  “Duvido que a Dilma me tire! Para desconforto de vocês (jornalistas), vão ter que me ver aqui no ano que vem, em 2013, em 2014. Pela relação que tenho com a Dilma, não saio nem na reforma”, afirmou.
SERVIÇOS SOCIAIS IMPORTANTES
Sobre ONGs, Veja (dia 9, data de capa), destaca que as do bem (a maioria) pagam pelas corruptas. Das 340 mil ONGs existentes no Brasil, 99,4% não recebem dinheiro do Governo Federal (“ao menos de forma repasses diretos, já que muitas são beneficiadas pelos mecanismos de isenção fical”). As entidades bandidas, porém, acabaram por manchar a imagem de todas elas. “As do bem,além de empregarem 2 milhões de pessoas, prestam serviços sociais importantes sobretudo nas áreas de saúde, educação, defesa do meio ambiente e fiscalização dos gastos públicos. São ONGs, por exemplo, todas as santas casas de misericórdia do país, assim como a rede das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes)”.
A revista acrescenta que, embora entidade desse tipo esteja a léguas de distância das falcatruas de Brasília, nem por isso deixa de ser prejudicada por elas. “É o caso da Fundação PioXII, mantenedora do Hospital do Câncer de Barretos, um centro de excelência que atende 3.000 pessoas por dia”. Conta seu presidente Henrique Prata: “Acabamos de investir 3 milhões de reais para montar um centro de tratamento de câncer em Rondônia, mas depois desses episódios (denúncias envolvendo ONGs e ministérios, como o de Turismo e do Trabalho) tivemos negado um documento que nos permitiria atuar no estado. Estão desconfiando de todo mundo”, diz.
O prejuízo não é apenas moral. Para não ser surpreendida por mais escândalos, a presidente Dilma Rousseff determinou o congelamento de repasses para essas entidades por trinta dias. “Nesse período, quer um raio X dos gastos. Trata-se de uma medida profilática, necessária, e, ao mesmo tempo, injusta, já que, sem querer, acaba por vitimar inocentes”, escreve Veja, em reportagem de Laura Diniz.
“NOVA CLASSE MÉDIA?”
O economista Paulo Passarinho, no artigo do Correio da Cidadania, escreve que de fato é constatável uma melhor distribuição da renda no país, com base em dados obtidos pelas PNAD’s – Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Contudo, esse tipo de resultado não corresponde inteiramente à realidade. (…) Estudos sobre a distribuição de renda, com base nos resultados das PNAD’s, não revelam uma parte importantíssima da repartição de rendas no país, justamente aquela apropriada pelos capitalistas”.
Passarinho considera, em outro trecho,  que passou-se a considerar absolutamente trivial a informação sobre uma suposta melhoria na distribuição de renda no Brasil, nos últimos anos. Chegamos ao ponto de passar como algo dado o “surgimento” de uma nova classe média, apenas existente nas planilhas de economistas do mainstream, nas editorias de economia da mídia dominante e nas visões mercadológicas de publicitários. “Brasileiros fazendo parte de famílias com rendimentos acima de R$ 1.300,00 se viram, da noite para o dia, “promovidos” à almejada classe média”.
Informação relevante para esclarecer essa realidade pode ser obtida junto ao Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “Esse órgão calcula mensalmente o valor que deveria corresponder ao salário mínimo, caso a cesta de consumo prevista para o seu atendimento fosse respeitada – incluindo as despesas não somente com alimentação, mas com habitação, transporte, saúde, lazer, entre outras, para uma família com dois adultos e duas crianças, de acordo com o decreto original de sua criação, em 1940”.
Segundo o economista, por esse cálculo do salário mínimo necessário, o valor correspondente deveria ser (agora, em outubro desse ano de 2011) de R$ 2.329,94. Este seria o valor – mínimo – para se assegurar a subsistência de uma família de quatro pessoas, o que implicaria uma renda média familiar por pessoa de R$ 582,49. Valor, portanto, superior ao atual salário mínimo em vigor, de R$ 545,00. Esses valores nos dão a dimensão da distorção produzida para nos convencer sobre o suposto surgimento do que se chama de “nova classe média”.
DESIGUALDADE
Na opinião de Passarinho, o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Reinaldo Gonçalves,  em recente estudo – Redução da Desigualdade da Renda no Governo Lula – Análise Comparativa (junho/2011) –, coloca essa discussão em termos mais racionais e com o grau de seriedade que o assunto merece. “Entre as principais conclusões de seu trabalho, o professor assinala que há tendência de queda da desigualdade da renda no Brasil no Governo Lula. Entretanto, a redução da desigualdade da renda é fenômeno praticamente generalizado na América Latina, no período 2003-08. Reinaldo lembra que, apesar desse avanço, Brasil, Honduras, Bolívia e Colômbia têm os mais elevados coeficientes de desigualdade na América Latina, que tem, na média, elevados coeficientes de desigualdade pelos padrões internacionais. Além disso, o Brasil experimenta melhora apenas marginal na sua posição no ranking mundial dos países com maior grau de desigualdade, entre meados da última década do século XX e meados da primeira década do século XXI, saindo da 4ª posição da lista mundial dos países mais desiguais para a 5ª posição”.
“Por tudo isso, não é de se estranhar a informação divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2011. Por esse cálculo, baseado em quatro critérios – esperança de vida, média de anos de escolaridade, anos de escolaridade esperados e renda nacional per capita –, o Brasil está em 84º lugar em uma lista de 187 países. No ano passado, estávamos na 73ª posição, entre 169 países. No âmbito da América Latina, o Brasil ocupa apenas o 20º lugar. Contudo, quando se incorpora a esse cálculo do IDH justamente o grau de desigualdade de renda, nosso país passa a ocupar apenas o 97º lugar, perdendo 13 posições.
Paulo Passarinho opina que fica clara, assim, mais uma vez, a construção ideológica, planejada e articulada, em curso no Brasil, por parte de governos, mídia dominante, círculos acadêmicos e os partidos da ordem. “O objetivo é nos convencer sobre o suposto caminho exitoso do modelo econômico dos bancos e das transnacionais. As reiteradas notícias e informações sobre a melhor distribuição de renda do Brasil têm a rigor apenas uma meta: legitimar o modelo em curso, as políticas econômicas adotadas para a sua viabilização e a demonização de qualquer alternativa que venha a ameaçar os grandes beneficiários da ordem atual”.
A síntese deste tema está na abertura do texto:  “O Brasil é – e continua sendo – um dos países mais desiguais do mundo”.
Link para a íntegra do texto de Paulo Passarinho:
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José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.

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